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Ex-TUF Igor Araújo aceitou luta no
UFC um dia após decidir se aposentar

Lutador brasiliense, que enfrenta Ildemar Marajó em Barueri, lembra trajetória sofrida, que incluiu noites na rua na Europa e depressão pós-reality show

Por Rio de Janeiro

Igor Araújo mma (Foto: Zuffa LLC via Getty Images)Igor Araújo em sua passagem pelo TUF: brasiliense
estreia no UFC em Barueri (Foto: Getty Images)

Imagine rodar o mundo com quase nenhum dinheiro, dormir na rua e passar frio a milhares de quilômetros de sua família, esconder concussões e lesões para se manter numa competição transmitida pela TV para o mundo inteiro, enfrentar uma depressão profunda por meses e, depois de nove anos, decidir que já foi o suficiente. Só que, no dia seguinte, a grande oportunidade que você buscava, enfim, aparece. Foi o que aconteceu com o brasiliense Igor Araújo, que fará sua estreia no UFC em Barueri, na próxima quarta-feira, contra o paraense Ildemar Marajó, no UFC Fight Night no Combate: Maia x Shields.

Depois de participar da 16ª temporada do reality show americano The Ultimate Fighter (TUF), no segundo semestre do ano passado, Araújo não foi aproveitado pelo UFC e assinou com o World Series of Fighting. Porém, o peso-meio-médio aguardou o quanto pôde por uma luta e, quando viu que não estava nos planos imediatos da organização, pediu liberação de seu contrato antes mesmo de estrear. Ele lutou uma vez em 2013, no evento californiano Flawless FC, em maio, e tentou voltar ao circuito europeu. Todavia, o desânimo de ter que negociar novas oportunidades e a necessidade de sustentar a esposa e os três filhos levaram o brasiliense a tomar a decisão de largar os combates, em agosto.

- Eu estava decidido a parar de lutar, nem queria lutar mais. Na noite anterior (à ligação do UFC), fui dormir pensando que não ia lutar mais. Tenho 32 lutas, já passei por várias coisas, minha carreira no MMA é muito vitoriosa, mas chega uma hora que você fica cansado de ter que conversar com promotor de evento. Falei com minha mulher, "Se eu parar de lutar, ainda seria um vencedor?", e ela disse, "Com certeza". Tenho familia, academia para cuidar - contou Araújo ao Combate.com.

Tudo mudou em uma madrugada. Araújo se deitou à 1h da manhã e, às 7h, seu agente estava ligando para sua casa, contando a novidade: o UFC o contratou para enfrentar Ildemar Marajó em Barueri. A partir daí, o peso-meio-médio passou a ver sua carreira no MMA com outros olhos.

- Eu comecei a gritar, chorei, fiquei cinco dias sem dormir. Eu ainda tenho muito a fazer. No UFC, não pagam muito bem quando você começa, e estou colocando como se estivesse começando. É meu último gás. Na Europa, já passei por muita coisa, aceitei luta um dia antes, mas ainda tenho muito o que conquistar. Estou treinando mais do que nunca, estou muito motivado. Não foi um chamado de "short notice" (pouco tempo de sobreaviso), mas foi quase em cima da hora, dei meu máximo e estou chegando em 70% do que posso apresentar. Acho que vai dar tudo certo para ganhar essa luta - afirmou.

Aventura europeia

Não que Igor Araújo esteja menosprezando seu adversário, que vem de nove vitórias consecutivas, incluindo duas no UFC. É simplesmente que o brasiliense não vê como qualquer coisa dentro do octógono possa ser pior do que o que passou para chegar neste ponto. Araújo começou a lutar jiu-jítsu após sua família se mudar para Minas Gerais em sua adolescência e estreou no vale-tudo em 2004, com vitória numa luta que aceitou com três semanas de antecedência. Após quatro combates, reparou que precisava trabalhar no seu jogo em pé para ter futuro no esporte.

A maioria tentaria um lugar numa academia maior em outro estado, mas Araújo pensou ainda mais alto: arrumou o contato de Alistair Overeem, na época um jovem lutador trilhando seu caminho pelo Pride. Por e-mail, o brasiliense se ofereceu a treinar o jogo de chão do holandês, em troca de aulas de kickboxing. Overeem, que enfrentaria Vitor Belfort em seguida, aceitou o acordo. Em 2005, Araújo partiu para a Holanda com apenas 25 euros no bolso.

- Eu sabia falar o básico de inglês e perguntei para um policial como eu arrumava uma lista telefônica, porque achava que eu arrumava o endereço do Overeem ali, mas não tinha! Passei momentos difíceis lá. Fiquei umas duas ou três horas no aeroporto, aí chegou um sueco para me pegar. Eu estava com umas malas enormes. Só depois, à noite, que o Overeem chegou para nos buscar, e fomos jantar depois - lembra.

Igor Araújo com Alistair Overeem, em 2005 (Foto: Reprodução/Facebook)Igor Araújo (esq.) posa com Alistair Overeem e um amigo, em 2005 (Foto: Reprodução/Facebook)

Era só o começo das "surpresas" para o brasileiro. No dia seguinte, acontecia um campeonato de jiu-jítsu, e Overeem havia inscrito Araújo. Ele venceu o torneio e conseguiu 150 euros para se manter. O treinamento na Holanda foi bem e "Reem" venceu Belfort por finalização, com uma guilhotina, na primeira rodada do GP dos pesos-médios do Pride. Porém, quando ele foi para o Japão, o brasileiro ficou sem lugar para morar, e um encontro com o destino o aguardava.

- Eu falei para ele que tinha condições de me manter, que tinha parentes lá. No que ele foi para o Japão, entrei num trem sem destino. Ele me deu um telefone, era Natal, estava nevando muito, nem roupa de frio eu tinha, nem dinheiro para comprar. O dinheiro do campeonato, eu peguei e fui para a Alemanha, cheguei numa praça, nevando, e eu sempre com muita fé que tudo ia dar certo. Estava sentando ali, pedindo a Deus para mandar alguém para me ajudar, aí no que virei - juro para você - o cara reconheceu meu sotaque, e disse que tinha morado no Rio de Janeiro e me ajudou. O nome do cara era Vasco ainda, nunca vou me esquecer. O cara me levou para uma lan house, pagou internet e um lanche para mim, consegui contactar um amigo no Brasil e um repórter da Alemanha, que estava em Hamburgo. Esse repórter me levou, eu dormi na casa dele, consegui contactar meu amigo Rodolfo, ele foi me buscar e fiquei na casa dele até arrumar uns seminários - narrou Araújo, que é vascaíno.

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Convulsões e depressão no TUF

O TUF é bom para a garotada. Quando você tem experiência como eu tenho, não aceita tanta coisa. Quando você é novo, tem mais sonhos, mas quando você tem filhos, o sonho deles fica em primeiro lugar. O TUF foi a pior época da minha vida"
sobre sua participação no reality show

Até 2007, a Europa foi um "martírio" para o peso-meio-médio, que enfrentou problemas com a alfândega na Espanha e dormiu na rua na Suíça. Com vitórias em torneios de jiu-jítsu e no circuito europeu de MMA, Igor Araújo conseguiu se estabilizar em Genebra, onde abriu uma academia - outra franquia foi aberta em Nancy, na França. Porém, o sonho do brasiliense era chegar ao ápice do esporte, o UFC. Em 2010, ele passou a se alternar entre a Suíça e Albuquerque, nos EUA, onde foi treinar com a equipe de Greg Jackson, ao lado do compatriota Diego Brandão.

Assim como "Ceará", Igor Araújo teve sua chance de chegar ao Ultimate através do TUF, mas não teve o mesmo sucesso que o companheiro, campeão na 14ª temporada. O brasiliense chegou às quartas de final, mas foi derrotado pelo eventual campeão, o americano Colton Smith. A participação no reality foi um pesadelo para o peso-meio-médio, por motivos que pouco têm a ver com os resultados obtidos. Muito ligado à família, Araújo sentiu muito a distância e, especialmente, a forma como se despediu.

- Foi a pior coisa que eu já fiz na minha vida, em questão emocional. Eu estava nos EUA e me chamaram meio em cima da hora. Eu tinha feito peneira para entrar no TUF 15, mas ligaram para mim numa segunda-feira para eu estar na quinta-feira lá no TUF 16. Estava em choque, com minha família inteira em Albuquerque. Fiz exames médicos, fiquei muito feliz e logo me chamaram. No que falaram que tinha que ir, não imaginava como ia ser complicado. Tinha que deixar minha família, minha mulher com meus dois filhos, um de dois anos e outro de um ano, para pegar um voo de 20 horas de duração sozinhos. Eu me senti um m*** de deixá-la sozinha para pegar esse voo. Fiquei no computador acompanhando o voo por todas as 20 horas. Depois, tinha que ir para Vegas e para a casa. Já cheguei meio mal - explica.

Colton Smith Igor Araujo tuf (Foto: Getty Images)Igor Araújo desaba após o anúncio da derrota para Colton Smith no The Ultimate Fighter (Foto: Getty Images)

Nas eliminatórias, Araújo teve pela frente Cortez Coleman e venceu com um triângulo no round de desempate, mas sofreu muitas cotoveladas na cabeça. Dentro da casa, passou a ter convulsões à noite. Segundo ele, se levantava sozinho de madrugada e caía na cama. Ele manteve o problema em segredo para não ser cortado do programa. Seus companheiros de quarto, membros do time adversário, chegaram a passar a informação ao seu treinador, Roy Nelson, mas ele respeitou a saúde do brasileiro e não o escolheu para nenhum combate enquanto não se recuperasse. Ele ainda venceu Nic Herron-Webb por decisão majoritária, mas entrou em depressão depois disso.

- A única coisa que eu fazia lá era chorar. Eu não comia, não queria fazer nada, só chorava pensando na minha família. Isso me abalou bastante. Consegui fazer a segunda luta, mas não sei o que aconteceu comigo, eu desisti daquilo, não queria lutar. São sete semanas lá dentro. Quando chegou a luta com o Colton, só faltava uma semana, eu já estava de saco cheio, não queria treinar nem lutar, e o Shane (Carwin, técnico de sua equipe) e o Pat Barry (auxiliar técnico) sabiam disso. Depois que saí da casa, fiquei numa depressão braba, só chorava. Acho que foi a tristeza que acumulei lá dentro. Depois daquilo, meu filho teve febre, ficava me olhando estranho, como se eu tivesse feito algo com ele, e isso acabou comigo. Não é uma desculpa, o Colton Smith é bom e foi melhor, mas ali eu perdi completamente a vontade de lutar. Demorei seis meses para botar quimono de luta de novo - recorda.

Igor Araújo com a família (Foto: Reprodução/Facebook)Igor Araújo posa com a mulher e seus dois filhos
mais velhos (Foto: Reprodução/Facebook)

Hoje recuperado, Igor Araújo vive nova fase. Ele terá a companhia do irmão em Barueri, mas ficará pouco tempo no país - seu terceiro filho nasceu horas antes de ele voltar a Albuquerque para o camp de treinamento, e o meio-médio pretende seguir rapidamente para a Suíça após o combate com Marajó para curtir o mais novo herdeiro. No octógono, o brasiliense quer apenas sentir o momento e se divertir.

- A gente fica ansioso e nervoso para lutar, mas isso é fichinha perto do TUF. Todos os adversários são duros, independentemente do evento, sempre acho que a luta vai ser dura. Mas o Greg Jackson me disse que a pior coisa da luta é esperar por ela, perder peso, treinar. Na pior das hipóteses, você vai perder, mas você vai ganhar! Por isso, estou tranquilo. O MMA é um meio de vida, é meu trabalho, mas eu agora entro ali para me divertir e ser um artista. Eu me tornei uma pessoa melhor, mais experiente, e qualquer situação de luta vai ser bem tranquila - concluiu.

O UFC Fight Night no Combate: Maia x Shields acontece na próxima quarta-feira, em Barueri, e o canal Combate transmite o evento ao vivo, com exclusividade, a partir de 17h (horário de Brasília). Confira o card completo:

UFC Fight Night no Combate: Maia x Shields
9 de outubro, em Barueri (SP)
CARD PRINCIPAL
Demian Maia x Jake Shields
Erick Silva x Dong Hyun Kim
Thiago Silva x Matt Hamill
Fábio Maldonado x Joey Beltran
Rousimar Toquinho x Mike Pierce
Raphael Assunção x TJ Dillashaw
CARD PRELIMINAR
Rodrigo Damm x Hacran Dias
Ildemar Marajó x Igor Araújo
Yan Cabral x David Mitchell
Iliarde Santos x Chris Cariaso
Alan Nuguette x Garett Whiteley

Banner Combate (Foto: Combate)

 

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